INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS
NÚCLEO DE LICENCIAMENTO - SP
Alameda Tietê, 637 - Bairro Cerqueira César, - São Paulo - CEP 01417-020
Parecer Técnico nº 3/2022-NLA-SP/DITEC-SP/SUPES-SP
Número do Processo: 02027.002502/2020-54
Empreendimento:
Interessado: DIVISÃO TECNICA AMBIENTAL DE SÃO PAULO
Assunto/Resumo: Resposta aos Despachos nº 11608644/2021-SUPES-SP e ao GABIN 11606699,
Em atenção ao Despacho nº 11608644/2021-SUPES-SP e ao Despacho GABIN 11606699, que solicita um posicionamento quanto ao Parecer nº 00046/2021/CONEP/PFE-IBAMA-SEDE/PGF/AGU, referente à dúvida suscitada na Informação Técnica nº 7/2020-NLA-SP/DITEC-SP/SUPES-SP, teceremos nossas considerações.
1- Premissas
Como analistas do IBAMA existe uma tendência natural de se proteger o meio ambiente atuando-se ao lado da preservação e do conservacionismo o que pode influenciar nas interpretações da legislação. Este é um dos desafios, proceder a análise tendo como diretriz principal a lógica do legislador e da norma em si, mesmo não concordando especificamente com aspectos da Lei.
No caso da mata atlântica, as equipes do IBAMA de São Paulo e a de Minas Gerais, principalmente, foram as primeiras a serem inquiridas pelos seus estados a emitirem anuências. Isso demandou dessas equipes um estudo aprofundado em uma época em que ainda não havia a regulamentação da Lei, e nem mesmo orientações pela DBFLO. Porque a Lei nº 11.428 é de 2006, a regulamentação pelo Decreto 6.660 ocorreu em 2008, e a última versão da regulamentação da anuência ocorreu por meio da Instrução Normativa Ibama nº 09, em 2019, demonstrando uma continua evolução do tema e sua interpretação legal onde as Superintendências tiveram de discutir esses assuntos internamente e estabelecer seus procedimentos. Essas equipes que participaram de todo o desenvolvimento histórico do tema desenvolveram um grande apreço com o assunto.
2- Do Pioneirismo das Superintendências
Por diversas vezes a equipe da SUPES-SP prestou assistência à DBFLO, seja na discussão da interpretação de legislação, ou na elaboração de Instruções Normativas, ou mesmo em problemas ocorridos em outros estados como por exemplo a anuência da Trans-Olímpica no Rio de Janeiro ou da UHE São Roque em Santa Catarina, o que demonstra a expertise da equipe nesse tema.
A Superintendência de Minas Gerais também possui larga experiência nas análises de anuência de supressão de vegetação em empreendimentos minerários. No Parecer Técnico nº 14/2021-NUBIO-MG/DITEC-MG/SUPES-MG, SEI 11233899, se contextualiza a experiência, a relevância e a pertinência da SUPES-MG nessas análises.
A carteira de anuências da da SUPES-SP em relação a parcelamento de solo, ou loteamentos é bem grande também. Mesmo com toda a experiencia, a relevância e a pertinência do assunto na da SUPES-SP, ocorreu uma evolução jurídica interpretativa com a adoção do Despacho nº 00150/2016/DEPCONSU/PGF/AGU, e reiterado pelo Parecer nº00002/2021/ DEP/DEPCONSU/PGF, no qual se analisou a aplicabilidade do art.14 da Lei da Mata Atlântica às hipóteses previstas nos seus artigos 30 e 31. Tal posicionamento foi adotado pelo IBAMA institucionalmente, o que mudou completamente a interpretação das anuências em parcelamentos, assumindo-se a não necessidade de anuências para esses casos.
Entretanto deve-se lembrar que:
· a dúvida é essencialmente jurídica e não técnica conforme consta na Informação Técnica nº18/2021- COUSF/CGBIO/DBFLO, SEI 10058465, “e qualquer divergência quanto à correta interpretação da lei é de competência da
Procuradoria Federal Especializada – PFE”.
· o IBAMA é um órgão executor, onde as possíveis não conformidades da lei devem ser levadas ao legislador para a modificação;
· que a interpretação jurídica pode evoluir e mudar, como ocorreu com a adoção do Despacho nº 00150/2016/DEPCONSU/PGF/AGU e outros documentos pertinentes.
3- Sobre o Parecer nº 00046/2021/CONEP/PFE-IBAMA-SEDE/PGF/AGU
O Parecer nº 00046/2021/CONEP foi complementado pelo DESPACHO nº 00677/2021/CONEP/PFE-IBAMA-SEDE/PGF.
A lógica do parecer foi construída principalmente sobre os seguintes pontos:
· Lei nº 12.651/2012, Código Florestal, Art. 2º, estabelece que a atividade de mineração é de utilidade pública e a Lei nº 11.428/2006, Lei da Mata Atlântica, Art. 3º, não estabelece que a atividade de mineração como de utilidade pública. Respeitando o princípio da especialidade em que a norma especial prevalece sobre a norma geral, a prevalência seria da Lei nº 11.428 por ser específica do Bioma e a Lei nº 12.651 genérica em relação a Biomas. Ou seja, a Mineração não se enquadra como de utilidade pública, nesse caso.
· Em não sendo utilidade pública não se enquadra no Art.14 da Lei nº 11.428/2006 que prevê o instituto da anuência prévia, mas se enquadraria sim no Art.32 específico para a atividade minerária, que não prevê a anuência.
· Decreto 6.660 de 2008, no art. 19 se estabelece o detalhamento e as condições da necessidade de anuências;
· O Art. 32, especifico sobre Mineração da Lei nº 11.428/2006, prevê que: “ A supressão de vegetação secundária em estágio avançado e médio de regeneração para fins de atividades minerárias somente será admitida mediante:
I - licenciamento ambiental, condicionado à apresentação de Estudo Prévio de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental - EIA/RIMA, pelo empreendedor, e desde que demonstrada a inexistência de alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto II - adoção de medida compensatória que inclua a recuperação de área equivalente e à área do empreendimento, com as mesmas características ecológicas ,na mesma bacia hidrográfica e sempre que possível na mesma microbacia hidrográfica, independentemente do disposto no art. 36 da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000(compensação do SNUC)”. Sob o aspecto técnico o legislador, no Art. 32, vincula o empreendedor a realização de Estudos e Impacto Ambiental, e Relatório de Impacto Ambiental, o que não é pouca coisa, visto que existe toda uma normatização e rito processual de licenciamento, que envolve a participação da população a publicidade em audiências públicas entre outras várias considerações.
· O parecer segue a mesma lógica da aprovação sacramentada do Despacho nº 00150/2016/DEPCONSU/PGF/AGU, e reiterado pelo Parecer nº00002/2021/ DEP/DEPCONSU/PGF, no qual se analisou a aplicabilidade do art.14 da Lei da Mata Atlântica às hipóteses previstas nos seus artigos 30 e 31, e foi adotada como posição institucional. Dessa forma, por uma questão até de coerência institucional ou revoga-se o Despacho nº 00150/2016 ou aprova-se o Parecer nº 00046/2021/CONEP.
· Sobre a RESOLUÇÃO CONAMA nº 369/2006, que trata da intervenção ou supressão de vegetação em Área de Preservação Permanente-APP: o Parecer nº 00046/2021/CONEP considera essa resolução “genérica” em relação aos Biomas, devendo ser considerado apenas os pontos específicos que fazem menção ao Bioma Mata Atlântica. No Art. 2º são previstas as situações onde pode haver supressão, no item II - interesse social:: “d) as atividades de pesquisa e extração de areia, argila, saibro e cascalho, outorgadas pela autoridade competente;”.
· Ainda sobre a RESOLUÇÃO CONAMA nº 369/2006, o Art. 7º inc. VI que trata de Mineração é mencionado o Bioma Mata Atlântica: “A intervenção, extração de substâncias minerais, sujeita à apresentação de Estudo Prévio de Impacto Ambiental - EIA e respectivo Relatório de Impacto sobre o Meio Ambiente-RIMA no processo de licenciamento ambiental VI - não localização em remanescente florestal de mata atlântica primária. § 1º No caso de intervenção ou supressão de vegetação em APP para a atividade de extração de substâncias minerais que não seja potencialmente causadora de significativo impacto ambiental, o órgão ambiental competente poderá, mediante decisão motivada, substituir a exigência de apresentação de EIA/RIMA pela apresentação de outros estudos ambientais previstos em legislação. ...”. Ou seja, as intervenções no bioma Mata Atlântica só são permitidas às atividades minerárias por essas estarem devidamente classificadas como utilidade pública e interesse social. a supressão nela autorizada não pode estar localizada "em remanescente florestal de mata atlântica primária".
Respeitando o princípio da especialidade em que a norma especial prevalece sobre a norma geral (incluindo as Resoluções Conama), sem declarar a necessidade de declarar a invalidade da lei geral, somos da opinião da desnecessidade da dupla checagem (anuência) para a obtenção da Autorização de Supressão de Vegetação nas atividades minerárias, visto que o Art. 32 da Lei 11.428/2006 (Lei da Mata Atlântica) já estabelece um mecanismo de controle bem forte e consolidado, que é a exigência de que o empreendedor da atividade minerária apresente Estudo de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) e a comprovação de que a área a ser minerada não tenha alternativa técnica e nem locacional. Pelo fato de que a área da jazida mineral a ser explorada se caracterizar como inflexível técnica e locacionalmente, em nossa opinião é pouco significativa a intervenção de outro ente governamental no processo autorizativo, de modo que pouco ou quase nada se acrescentará em relação as decisões do órgão licenciador, além de se verificar as compensações e a localização das áreas oferecidas.
Cabe lembrar que a Resolução Conama nº 369/2006, trata somente de Autorização de Supressão de Vegetação (ASV) em Áreas de Preservação Permanente (APP) e que os legisladores da lei especial nº 11.428/2006 (Lei da Mata Atlântica) no nosso ponto de vista, decidiram pela não inclusão da atividade minerária como sendo de utilidade pública ou interesse social provavelmente por entenderem que a vegetação nativa tanto fora, quanto a que está presente nas margens de curso d’água, possuírem um caráter tão especial e necessário para o fluxo gênico da flora e fauna que colocaram nestas categorias. Apenas aquelas intervenções realmente necessárias e que beneficiam amplamente toda a nação, como as obras de infraestrutura: rodovia, ferrovias e barragens. Cabendo destacar que as APPs como bem escrito na Res. Conama nº 369/2006 se primam pela singularidade e o valor estratégico e são caracterizadas, como regra geral, pela intocabilidade e vedação de uso econômico direto.
Do ponto de vista da coerência institucional e da lógica o Parecer nº 00046/2021/CONEP, salvo melhor juízo, nos parece correto. Não faria sentido o legislador destacar em artigos específicos da lei, tratando de forma diferenciada os parcelamentos de solo e atividades minerárias se não fosse para destacá-las das demais.
4- Sobre as “incoerências” da Legislação de Mata Atlântica
Um ponto de vista importante foi levantado pela SUPES/MG e apoiado pela Informação Técnica nº 18/2021-COUSF/CGBIO/DBFLO, SEI 10058465. Esse ponto de vista é mais técnico do que jurídico.
· Todo o trabalho de se elaborar e se aprovar uma legislação especifica sobre a mata atlântica sinaliza aos órgãos ambientais que existe uma preocupação com a proteção do Bioma.
· Não há dúvidas de que o dispositivo da “anuência” criado visava aumentar o caráter protetivo da Mata Atlântica, dando ao Bioma uma dupla verificação. Isso foi previsto para ser utilizado nos casos previstos no art. 19 do Decreto 6660/2008 e do art.14 da Lei nº 11.428/2006. Seria como uma espécie de auditoria sobre o processo de licenciamento estadual.
· O art.14 cita: “A supressão de vegetação primária e secundária no estágio avançado de regeneração somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública, sendo que a vegetação secundária em estágio médio de regeneração poderá ser suprimida nos casos de utilidade pública e interesse social, em todos os casos devidamente caracterizados e motivados em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto,.. “.
· Esse Art.14, em nossa opinião, subverte a ordem de proteção do Bioma. Isso porque, justamente, em toda a legislação ambiental os casos de “utilidade pública e interesse social” são justamente os que mais permitem intervenções e supressões. Como o próprio nome já indica, existe o interesse social e público nesse tipo de empreendimento, então são permitidas essas intervenções para o bem maior que beneficiam amplamente toda a nação.
· Então para que se fazer uma dupla verificação (anuência) justamente para os casos mais permissíveis de intervenção e supressão? E deixar as atividades que deveriam ser melhor controladas apenas com um nível de verificação?
· Com esse ponto de vista pode-se compreender o porquê que a figura da “utilidade pública” para a atividade Minerária não foi incluída na Lei nº 11.428/2006, porque protegeria mais o Bioma Mata Atlântica.
· No início da utilização da dessa e Lei e Decreto para a mineração tal fato não chamava a atenção, pois não se fazia distinção e se aplicavam os artigos 19 do Decreto 6660/2008 e o 14 da Lei nº 11.428/2006 para a grande maioria dos casos inclusive parcelamento de solo. Mas após as análises lógicas da legislação consolidadas no Despacho nº 00150/2016/DEPCONSU/PGF/AGU, e no caso presente pelo Parecer nº 00046/2021/CONEP, tal incoerência na lei ficou mais evidente.
Esse é de fato o cerne do problema. Em algum ponto foi subvertido o mecanismo de dupla verificação (anuência) atribuindo-o somente para os casos mais permissíveis de intervenção e supressão, qual sejam “utilidade pública e interesse social”, e ignorando-se a dupla verificação em situações até mais necessárias. Tal fato não chamava atenção antes porque ainda não havia sido feita a análise jurídica dos artigos 30, 31 e 32 da Lei.
Esse é o ponto de vista técnico. Entende-se que quando não há concordância com aspectos da Lei que ela deva ser modificada no fórum correto, no caso, no âmbito dos órgãos normativos e do Legislativo.
Essa interpretação técnica, porém, sob nosso ponto de vista, não muda a interpretação jurídica da lógica interna da Lei que nos parece ter sido feita de forma correta no Parecer nº 00046/2021/CONEP, como também no Despacho nº 00150/2016/DEPCONSU /PGF/AGU.
5- Sobre o impacto da atividade minerária
A Mineração é uma atividade que passa pelo licenciamento ambiental que é um procedimento administrativo onde se visa manter a qualidade do ambiente. É levado em conta não apenas a atividade em si, mas também todas as instalações de apoio, o transporte de materiais, os rejeitos, a supressão entre outros fatores.
A Agência Nacional de Mineração, que substituiu o DNPM, lista os tipos de requerimentos de Mineração, sendo os de Lavra “a céu aberto” os mais impactantes e passiveis de licenciamento. São eles:
· Autorização de Pesquisa Mineral,
· de Lavra,
· com Guia de Utilização,
· de Regime de Licenciamento,
· de Lavra Garimpeira,
· de Registro de Extração.
A DILIC, referente aos aspectos de Licenciamento, desenvolveu um Guia Prático de FCA para o Setor de Mineração, disponível em:
http://www.ibama.gov.br/phocadownload/licenciamento/GUIA_FCA_v20140523.pdf
A DBFLO solicitou um posicionamento técnico da DILIC quanto aos impactos da atividade minerária. A Superintendência de São Paulo, por meio do Núcleo de Licenciamento apoia qualquer posicionamento da DILIC, que é a expert pelo IBAMA na área de impactos.
6- Conclusões
1- A dúvida é essencialmente jurídica e não técnica conforme consta na Informação Técnica nº18/2021- COUSF/CGBIO/DBFLO, SEI 10058465, “e qualquer divergência quanto à correta interpretação da lei é de competência da Procuradoria Federal Especializada – PFE”.
2- Sob o ponto de vista jurídico e institucional o IBAMA, como órgão executor, deve adotar um procedimento lógico para com a Lei em vigor (Parecer nº 00046/2021/CONEP) e o já adotado pela instituição (Despacho nº 00150/2016/DEPCONSU /PGF/AGU). Ou se adota o Parecer nº 00046/2021/CONEP ou se revoga o Despacho nº 00150/2016/DEPCONSU /PGF/AGU, salvo melhor juízo, sob risco de incoerência.
3- Sob o ponto de vista técnico o IBAMA, não sendo um órgão legislador, não tem competência para modificar a possível “incoerência” aprovada em Lei que atribui a dupla verificação (anuência) para os casos mais permissíveis de intervenção e supressão, qual sejam “utilidade pública e interesse social”, e a verificação única justamente em casos que mereceriam maior atenção. De fato, não faz muito sentido para as equipes técnicas que trabalharam com o tema, e pretendem proteger o Bioma, renunciar às anuências nos casos que deveriam ser ainda mais restritivos. Mas a lei foi aprovada dessa forma e esse é um problema que está além da competência do IBAMA, salvo melhor juízo. Até a mudança da Lei o IBAMA pode apenas adotar uma posição institucional.
4- A DILIC, deverá se pronunciar sobre os impactos da atividade.
5- Enquanto não se vislumbra a modificação dessa lei, sob o aspecto jurídico e institucional, somos favoráveis a adoção do Parecer nº 00046.
É o Parecer,
Atenciosamente,
Fabio Callía – Coordenador do NLA -SP
Mauricio T. Nascimento – Coordenador das Anuências de Mata Atlântica -SP
| Documento assinado eletronicamente por FABIO PENNO CALLIA, Analista Ambiental, em 21/01/2022, às 16:38, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 6º, § 1º, do Decreto nº 8.539, de 8 de outubro de 2015. |
| Documento assinado eletronicamente por MAURICIO TADEU DO NASCIMENTO, Analista Ambiental, em 21/01/2022, às 16:48, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 6º, § 1º, do Decreto nº 8.539, de 8 de outubro de 2015. |
| A autenticidade deste documento pode ser conferida no site https://sei.ibama.gov.br/autenticidade, informando o código verificador 11779577 e o código CRC 55929081. |
Referência: Processo nº 02027.002502/2020-54 | SEI nº 11779577 |