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INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS

Nota Técnica nº 9/2019/CT-FLOR/GABIN

PROCESSO Nº 02001.004154/2016-61

INTERESSADO: Secretaria de Estado de Meio Ambiente

ASSUNTO

Trata a presente Nota Técnica dos entraves encontrados na execução dos programas previstos no TTAC sob responsabilidade da Câmara Técnica de Restauração Florestal e Produção de Água - CT-FLOR.

REFERÊNCIAS

Compete à Câmara Técnica de Restauração Florestal e Produção de Água o desenvolvimento e acompanhamento dos seguintes programas:

  1. Programa de recuperação ambiental da Área Ambiental 1 – PG 025;
  2. Programa de recuperação de Áreas de Preservação Permanente e áreas de recarga da bacia do rio Doce e controle dos processos erosivos – PG 026;
  3. Programa de recuperação de nascentes – PG 027;
  4. Programa de Fomento ao CAR e PRA – PG 040.

Ressalta-se que as definições de escopos dos programas e demais recomendações exaradas pela CT-FLOR são pautadas em diretrizes legais, observando os objetivos do TTAC e o disposto na legislação, com destaque para a Lei Federal n° 12.651/2012, bem como seu decreto regulamentador (Decreto n° 7.830/2012).

Ante o exposto, os membros da CT-FLOR iniciaram amplas discussões técnicas com o objetivo de construir programas de restauração florestal em larga escala que atendessem aos objetivos do TTAC e fossem passíveis de implementação e adesão por produtores rurais da bacia. Para tanto, por meio da Decisão nº 2 do CIF, de 30 de abril de 2018 foi criado um Grupo de Trabalho, composto por representantes do IBAMA, dos governos estaduais envolvidos e da Fundação Renova, no âmbito da Câmara Técnica de Restauração Florestal e Produção de Água para tratar do estabelecimento de indicadores de asseguração dos programas. O resultado deste grupo foi além do esperado na decisão, sendo apresentado à CT-FLOR os documentos de definição dos programas, dos quais 3 já foram aprovados por deliberação do CIF.

Todas as recomendações da câmara técnica e procedimentos operacionais e metodológicos definidos para desenvolvimento dos programas, são levados ao CIF para conhecimento e/ou deliberação. Até o momento foram exaradas 33 deliberações para os programas de restauração florestal, das quais se destacam:

Como estratégia de acompanhamento do cumprimento das cláusulas, destacam-se as campanhas de vistoria coordenadas pelo IBAMA no âmbito da Operação Áugias. O quadro abaixo traz o cronograma de vistorias, bem como o programa a que se referem.

Quadro 1: Detalhamento das fases da Operação Áugias.

FASE

PERÍODO

PROGRAMA ACOMPANHADO

Hélios I

30 de maio a 10 de junho de 2016

Recuperação da Área Ambiental 1- revegetação inicial emergencial (Cláusula 158) e regularização de calhas e margens/controle de processos erosivos (Cláusula 160).

Argos II

12 a 23 de setembro de 2016

Argos III

16 a 26 de novembro de 2016

Argos IV

21 a 30 de agosto de 2017

Argos V

17 a 26 de outubro de 2017

Argos VI

09 a 19 de abril de 2018

Olhos D’Água I

18 a 29 de setembro de 2017

 

Programa de Recuperação das Nascentes (cláusula 163).

Olhos D’Água II

02 a 11 de maio de 2018

Olhos D’Água III

25 de setembro a 05 de outubro de 2018 e 15 a 25 de outubro de 2018

Juno I

08 a 17 de abril de 2019

Recuperação da Área Ambiental 1 (cláusula 159).

 

FUNDAMENTAÇÃO E ANÁLISE TÉCNICA

Uso do solo e readequação ambiental e econômica das propriedades

Os processos de recuperação ambiental são diretamente afetados pelas formas de uso e ocupação do solo que, na bacia do rio Doce, ainda são feitos de forma convencional e degradante, consequência da expansão da pecuária e eucaliptocultura que se estendem desde os meados da década de 50, principalmente nas regiões média e baixa da bacia.

Conforme o Plano Integrado de Recursos Hídricos da Bacia do Rio Doce – PIRH (2010), 64% do território da bacia é ocupado por atividades agropecuárias, sendo que boa parte se refere a pecuária com baixo nível tecnológico. Destaca-se o desenvolvimento de atividades agropecuárias em APP’s, com pastagens e cultivos de culturas perenes e temporárias às margens dos rios.

A experiência obtida a partir do acompanhamento do processo de recuperação ambiental da Bacia do Rio Doce permite inferir que a existência da legislação é insuficiente para conter o uso irregular da terra. Isso ocorre por diversos aspectos que compõem a realidade dos produtores rurais e cria a necessidade do desenvolvimento de ações que não sirvam apenas como conversão de áreas degradadas em áreas reflorestadas, mas que possibilitem consorciar renda e conservação.

Dado o uso inadequado do solo nos imóveis rurais da bacia, há que se considerar que somente a recuperação das nascentes e de APP’s não alcançará por si só o objetivo maior do TTAC que é o incremento da produção de água. Deste modo, para a efetividade dos programas de restauração florestal, é necessária a adoção de medidas de uso sustentável da terra através de práticas agrícolas que garantam a produtividade dos imóveis, diminuindo a pressão às áreas que são de preservação permanente por força da lei.

Nota-se, portanto, que a integração entre os programas da CT-FLOR e o programa de retomada das atividades agropecuárias (PG 17) pode potencializar os efeitos da recuperação ambiental, cabendo exclusivamente à Fundação Renova o gerenciamento integrado das intervenções realizadas para atendimento aos programas de forma que estas sejam executadas de forma complementar.

Cabe ressaltar que o programa de retomada das atividades agropecuárias (PG 17) tem como abrangência geográfica a Área Ambiental I. Portanto, os programas compensatórios (recuperação de APP – PG 26 e de nascentes – PG 27) estão fora desta área. Neste caso, como não há obrigação, por parte da Fundação Renova, em executar ações de retomada das atividades agropecuárias, faz-se necessário que a assistência técnica promova o desenvolvimento sustentável dos imóveis rurais, considerando todos os aspectos econômicos, culturais e sociais que compõem a realidade dos produtores, levando à melhoria da produtividade sem prejuízos à conservação de áreas protegidas por lei.

Mobilização e engajamento dos produtores rurais

As tratativas com os produtores rurais para recuperação de áreas degradadas em seus imóveis se dão de maneira distinta, de acordo com a natureza dos programas. Orientações gerais foram aprovadas pela Deliberação CIF nº 27/2016, e encontram-se detalhadas na Nota Técnica 02/2016, em anexo.

No escopo do programa reparatório PG 025 estão os produtores que tiveram suas propriedades fortemente impactadas com perda de áreas produtivas e infraestruturas, o que torna o processo de mobilização e engajamento mais complexo, demandando volume maior de ações para promoção da reparação integral da área. Já no escopo dos programas compensatórios PG 026 e PG 027 estão inseridos produtores que não sofreram impacto direto, mas cuja recuperação das áreas degradadas no imóvel (APP’s, áreas de recarga e nascentes) pode contribuir positivamente para a melhora na qualidade ambiental da bacia como um todo, desde que haja engajamento desses atores nas ações promovidas.

A Nota Técnica 01/SEMAD/DGRD/2018 do governo de Minas Gerais indica que “os proprietários rurais consideram as áreas de APP como as “áreas nobres” de sua propriedade, tendo em vista sua proximidade ao curso d´água, as melhores características físico, químicas e bióticas do solo e condições topográficas nestes locais”. Indica ainda que, “neste sentido, é fundamental que a recuperação da bacia do rio Doce, seja factível para a realidade da bacia, integrando as necessidades dos proprietários rurais com a melhoria da qualidade ambiental”.

Dada a importância destas áreas, é possível inferir sobre o quão trabalhoso é o engajamento destes produtores no processo de recuperação ambiental. Contudo experiências exitosas da cadeia de restauração podem servir como referência para refinar a metodologia de mobilização proposta pela Fundação Renova. Outro aspecto é o desenvolvimento do PSA como importante estratégia de estímulo à adesão destes produtores aos programas de restauração florestal.

Destaca-se que o programas de recuperação de APP (PG 026) e o de nascentes (PG 027) preveêm o pagamento por serviços ambientais (PSA), enquanto o programa de recuperação da área ambiental I (PG 025) não contempla esta previsão. Neste sentido, destaca-se a necessidade de se estudar esta ferramenta como forma de se alcançar melhor adesão dos produtores e, consequentemente, maior êxito na recuperação das áreas e no cumprimento do objetivo do programa.

Imbróglio jurídico e uso do SAF

O imbróglio jurídico criado pelo Despacho nº 64773/2017-MMA que determinou que o IBAMA, ICMBio e SFB cumprissem a recomendação de não aplicar os artigos 61-A e 61-B da Lei n° 12651/2012, mas considerar a Lei n° 11428/2006 em áreas compreendidas no interior do Bioma Mata Atlântica, impacta diretamente a execução dos programas coordenados pela CT-FLOR, a começar pela inscrição no CAR e PRA que auxilia no processo de recuperação da bacia e na regularização dos imóveis. Apesar de ser uma importante ferramenta para o processo de recuperação da área impactada, a ausência de clareza sobre qual diretriz legal seguir impacta no cadastramento destes imóveis, visto que os Estados de Minas Gerais e Espírito Santo tem por competência a validação dos cadastros e, até o momento, o posicionamento dos estados é contrário ao referido Despacho.

Por ocasião da 20ª Reunião da CT-FLOR, foi solicitado que os estados do Espírito Santo e de Minas Gerais formalizassem posicionamento técnico sobre a aplicação dos artigos 61-A e 61-B da Lei nº 12.651/2012 ao Bioma Mata Atlântica. O Estado do Espírito Santo encaminhou a Nota Técnica GTECAD/FLORA Nº 003/2018 e o Estado de Minas Gerais encaminhou a Nota Técnica nº 1/SEMAD/DGRD/2018. De modo geral, ambos os estados se posicionam favoráveis à aplicação do disposto nos referido artigos, tendo o Estado do Espírito Santo se manifestado juridicamente por meio de parecer emitido pela Procuradoria Geral do Estado (Processo nº 82232091 PGE/ES).

A Nota Técnica 01/SEMAD/DGRD/2018 de Minas Gerais, indica que “a metragem das APP´s hídricas a serem recuperadas, conforme a legislação a ser adotada, poderá ocasionar a necessidade de redução das áreas utilizadas pelos proprietários rurais nas atividades em sua propriedade, incluídas as agrosilvipastoris, o que poderá inviabilizar economicamente alguns imóveis rurais e comprometer a autonomia familiar”. Indica ainda que “há de se considerar, também, que o relevo bastante acidentado de parte significativa da paisagem mineira, por si só, gera maior quantitativo de áreas passíveis de proteção e consequente restrição de uso pelo produtor rural”.

De acordo com Nota Técnica GTECAD/FLORA 003/2018 do Espírito Santo, “verifica-se que a não aplicação do disposto nos artigos 61 A e 61 B do Código Florestal dentro da bacia do rio Doce, pode ser uma ação inócua ou com baixas consequências, visto que mesmo não podendo se beneficiar com a redução das áreas com obrigação legal de restauro, ainda assim produtores enquadrados como pequenos poderiam manter boa parte de suas atividades a partir de outros argumentos legais”.

O entendimento sobre a não aplicação dos artigos 61-A e 61-B da Lei n° 12651/2012 acatado pelo mencionado Despacho nº 64773/2017-MMA foi embasado no Parecer nº 392/2014/PFE/IBAMA/AGU aprovado pelo Parecer nº 013/2015/CONEP/PFE-IBAMA-SEDE/PGF/AGU e pelo Parecer nº 773/2015/CGAJ/CONJUR-MMA/CGU/AGU/omtrn. Entretanto, destaca-se uma oscilação deste entendimento pela AGU ao longo do tempo, existindo períodos em que este órgão jurídico reconheceu a inaplicabilidade dos artigos 61-A e 61-B da Lei n° 12651/2012 ao Bioma Mata Atlântica e períodos em que admitiu a aplicação dos referidos dispositivos a este Bioma como exposto no DESPACHO Nº 1050/2015/CONJUR/MMA/CGU/AGU/jmloa que apresentou em sua conclusão que "é possível a aplicação de todas as disposições transitórias da Lei Federal nº 12.651/2012, especialmente os arts. 61-A e 61-B, para o Bioma Mata Atlântica, por se tratar de legislação que dá completude à Lei Federal nº 11.428/20006, completude esse suscitada e exigida pelo própria Lei do Bioma (...)".

Outra implicação deste imbróglio é quanto a utilização de Sistemas Agroflorestais – SAF’s como modalidade de recuperação de APP. Cabe pontuar que os SAF’s constituem ambientes biodiversos capazes de consorciar a geração de renda, recuperação ambiental e melhora na qualidade de vida no imóvel rural e que seu uso como modalidade de recuperação de áreas degradadas vem crescendo no Brasil e no mundo. Este crescimento pode ser justificado pela quantidade expressiva de serviços ambientais e ganhos econômicos gerados por estes ecossistemas. Destaca-se que o inciso VI do art. 3º do Decreto nº 8.972/2017 estabeleceu SAF como uma das modalidades de recuperação da vegetação nativa e que a Lei 12.651/2012 prevê os SAF’s como uma das modalidades de recuperação para APP’s (Inciso IV do § 13 do artigo artigo 61-A).

A Deliberação CIF nº 65 de 09 de maio de 2017 estabeleceu critérios mínimos para a adoção do pagamento por serviços ambientais e modalidades de recuperação aceitáveis no programa de recuperação de áreas de preservação permanente e áreas de recarga hídrica da bacia do Rio Doce - PRAPP (PG 26). Dentre as modalidades propostas, está adoção dos SAF’s, consorciados com espécies nativas da Mata Atlântica, nos moldes do inciso XVI do Art. 2º do Decreto 7.830/2012. Tal modalidade foi prevista no edital do Projeto Piloto de Pagamento por Serviços Ambientais, aprovado pela Deliberação CIF nº 143, de 29 de janeiro de 2018.

No âmbito da definição dos escopos dos programas da CT-FLOR, realizada por meio do GT Indicadores, a possibilidade de utilização de SAF’s foi amplamente discutida pelos técnicos como forma de propiciar aos produtores rurais da bacia a recuperação das áreas degradadas de APP com algum retorno econômico, mesmo que temporário. Esta possibilidade foi incorporada aos escopos destes programas com a indicação de priorização de frutíferas e outras essências nativas e a restrição ao uso madeireiro.

Contudo, esta modalidade de recuperação não está sendo aplicada em função do imbróglio jurídico. Além disto, esta divergência quanto à aplicação dos artigos 61-A e 61-B da Lei n° 12651/2012, implica em insegurança jurídica quanto à definição da faixa de APP a ser recuperada e em que moldes. Agrava-se a isto, o fato de que mais de 80% das propriedades da bacia possuem tamanho inferior a quatro módulos fiscais, categoria com benefícios específicos previstos na Lei n° 12.651/2012. Toda a insegurança jurídica de atuação da Fundação Renova tem afetado a adesão dos proprietários aos programas previstos no TTAC, impedindo que a recuperação da bacia tenha a celeridade e a intensidade necessárias para atendimento do disposto no TTAC.

A Deliberação nº 223, de 30 de outubro de 2018, tratou da aplicação da Lei da Mata Atlântica (Lei n° 11.428/2006) e do Código Florestal (Lei n° 12.651/2012) na restauração florestal prevista na Cláusula 159 do TTAC. Esta deliberação indicou que deverá ser recuperada, em anuência com o produtor rural, no mínimo, a faixa de APP de acordo com o tamanho da propriedade rural estabelecida pela Lei n° 12.651/2012, sendo vedada, sob qualquer hipótese, a utilização dos SAF’s.

Neste contexto, a incerteza acerca dos desdobramentos do imbróglio jurídico gera insegurança e limitações de atuação da Fundação Renova junto aos produtores rurais, impactando diretamente a adesão destes atores aos programas e seu consequente sucesso. O TTAC prevê que os programas promovam a restauração florestal em até 10 anos de implantação/monitoramento. Conforme posicionamento do Estado do Espírito Santo (Nota Técnica GTECAD/FLORA 003/2018), é importante destacar que a adesão dos proprietários rurais é de livre e espontânea vontade, assim sendo, independente do instrumento legal a ser observado, as áreas a serem contempladas com ações de restauração serão sempre aquelas indicadas pelo produtor rural, uma vez que não competirá à Fundação Renova e, tão pouco, à CT-FLOR esta indicação.

CONCLUSÃO

Ante ao exposto, destaca-se o imbróglio jurídico sobre a aplicação dos artigos 61-A e 61-B da Lei n° 12651/2012 como sendo o principal entrave que impacta diretamente a execução dos programas. Diante disso, considerando que trata-se de um problema de cunho jurídico que transcende as atribuições da CT-FLOR, recomenda-se ao CIF que sejam tomadas as medidas cabíveis juntos às instâncias competentes para que haja um posicionamento definitivo acerca do assunto.


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Documento assinado eletronicamente por THIAGO AYRES LAZZAROTTI ABREU, Analista Ambiental, em 09/10/2019, às 17:32, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 6º, § 1º, do Decreto nº 8.539, de 8 de outubro de 2015.


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Documento assinado eletronicamente por Ana Karine Cardoso Peixoto, Usuário Externo, em 09/10/2019, às 18:44, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 6º, § 1º, do Decreto nº 8.539, de 8 de outubro de 2015.


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Documento assinado eletronicamente por LUCIANO DE PETRIBU FARIA, Coordenador, em 09/10/2019, às 18:54, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 6º, § 1º, do Decreto nº 8.539, de 8 de outubro de 2015.


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Referência: Processo nº 02001.004154/2016-61 SEI nº 6156084