INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS
COMITÊ INTERFEDERATIVO
Despacho nº 14185909/2022-CIF/Gabin
Processo nº 02001.031737/2022-11
Interessado: COMITÊ INTERFEDERATIVO - CIF
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Assunto: Despacho Modelo Consolidado do Desastre
Ilustres membros,
Os dados trazidos pela perícia do eixo 6 consolidam discussão que o CIF vem travando com a Fundação Renova em âmbito administrativo, qual seja, que tão decisivo quanto a área de deposição do rejeito (ÁREA AMBIENTAL 1) ou mesmo dos municípios banhados pelos Rios Gualaxo do Norte e Carmo (ÁREA AMBIENTAL 2), é a avaliação dos efeitos ambientais e sociais ocasionados por contaminantes químicos cuja biodisponibilização foi ocasionada pelo EVENTO.
São duas as alegadas fontes desses contaminantes: a presença dos químicos no rejeito e o revolvimento da calha e margens do rio Doce. Sob esse ponto de vista, deixa o rejeito e sua deposição de ser a única ou principal consequência do evento.
Há que se observar que, em matéria de reparação civil ambiental, vige a responsabilidade civil objetiva absoluta, segundo a qual casos fortuitos, força maior ou culpa de terceiro não são aptos a excluir o dever de reparar/compensar o meio ambiente (REsp n. 1612887/PR).
Tal preocupação encontra amparo no próprio TTAC, seja pela previsão da realização de Estudos Epidemiológicos, Toxicológicos (Cláusula 111 do TTAC), seja por sua plasticidade prevista na Cláusula 203, especialmente, seu parágrafo primeiro, e Cláusula 191, parágrafo primeiro, que admitem a dinamicidade do evento e a incompletude das informações acerca dos seus efeitos.
Diversas foram as Deliberações do CIF nesse sentido, especialmente aquelas que dizem respeito aos estudos de risco e aos temas de saúde humana.
Além disso, para além dos danos que se verificam no âmbito do meio ambiente, existem impactos intersubjetivos com reais consequências sobre a população das áreas, causados pela incerteza e pela necessidade de observância do princípio da precaução, que obriga que haja a atuação em casos de responsabilidade ambiental, ainda que em ambiente de incertezas.
Na aplicação desse princípio, é fundamental que seja observada a posição definida pelo Supremo Tribunal Federal em sede de repercussão geral quanto ao princípio da precaução, sendo encarado enquanto mecanismo de gestão de riscos , avaliando os custos das medidas e, ao final, execute as ações necessárias, decorrentes de decisões não discriminatórias, motivadas, coerentes e proporcionais (RE 627189, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 08/06/2016, Acórdão eletrônico repercussão geral - mérito DJE-066 divulgado em 31-03-2017 publicado 03-04-2017).
Tal situação ganha relevo ao se tratar dos tópicos envolvendo a fauna e a saúde humana especialmente, não cabendo a alegação de que se tratam de recursos “compensatórios” ou “despidos da comprovação de nexo causal ou estudos”, até porque o TTAC fixou início das ações de saúde a partir da sua própria assinatura sem qualquer conclusão de estudo (Cláusula 110).
Além disso, diversas discussões se repetem reiteradamente na discussão dos programas reparatórios com a Fundação Renova.
Em primeiro lugar, a Fundação Renova reiteradamente pleiteia, para afirmar sua responsabilidade reparatória, grau de prova/certeza (standard probatório) muitas vezes superior àquele vigente no âmbito criminal no Brasil, entendendo que, caso esse não tenha sido atingido, não haveria a responsabilidade por falta de dano, de nexo causal etc.
Ocorre que não é possível esquecer-se que, no presente caso, já existe trânsito em julgado de sentença que reconhece a responsabilidade das mantenedoras quanto ao Evento, reconhecendo uma série de danos e garantindo ao CIF efetuar, inclusive, a revisão dos Programas do TTAC de ofício.
Além disso, no Brasil em âmbito jurídico vige na responsabilidade civil ambiental o princípio da precaução acima referido em uma situação inesperada, sem precedentes e cuja alteração do meio ambiente se deu por responsabilidade das mantenedoras da Fundação, de maneira que qualquer incerteza deve ser imputada essas, inclusive, com a inversão do ônus da prova na forma do art. 373, §§ 1º e 2º, do NCPC.
Em segundo lugar, é comum a argumentação entre o objetivo dos “estudos” solicitados no âmbito do sistema CIF, mencionados expressamente ou não no TTAC/TAC-Gov. Primeiro ponto nesse sentido diz respeito à diferenciação entre um estudo-acadêmico, o qual objetiva ampliar o conhecimento científico acerca de determinado tema mediante um regime de responsabilidade ético-acadêmico, de um estudo-parecer, o qual se configura na opinião de profissional habilitado acerca de determinado problema e cuja responsabilidade, incluídos os fatos e dados, em âmbito ambiental é pessoal sob os aspectos criminais, civis e administrativos. Um exemplo de estudo-acadêmico é um artigo científico em uma revista especializada, enquanto de um estudo-parecer é o Estudo de Impacto Ambiental do licenciamento.
Os estudos que o CIF exige da Fundação Renova são estudos-parecer e cujo objetivo é, sob responsabilidade técnica de profissional habilitado, buscar a reparação do evento. Aqui surge nova questão: nem todo estudo-parecer requerido busca identificar nexo causal, muitas vezes, presta-se a identificar uma alteração no meio ambiente, sendo que a avaliação do nexo causal pode se dar posteriormente ou em fase seguinte. Investigar todas as possíveis rotas pelas quais o evento poderia, em tese, repercutir sobre determinado bem ambiental sem saber se há suspeita de dano seria ampliar excessivamente o escopo de estudos e simplesmente postergar a compreensão do evento.
Outro ponto de reiterada discussão diz respeito a determinados “vácuos” normativos em normas brasileiras e que se afiguram polos de repetida discussão. Veja-se que a atribuição do CIF na busca da reparação não depende da previsão de ato autorizativo ou de fixação de parâmetros pelo CONAMA.
Veja-se que a reparação civil tem assento constitucional, legal próprio e que pressupõem dano, conduta/omissão e nexo causal. Dessa maneira, a inexistência de critérios normativos predeterminados não representa a inexistência de danos, mas a necessidade de sua quantificação, fato conhecido em âmbito jurídico como “liquidação”, bem como que a inexistência de ato autorizativo não significa a impossibilidade de efetuar a reparação, mas a desnecessidade de obtê-lo. Nesses casos, como órgão criado pelo TTAC/TAC-Gov cabe ao CIF definir a forma da reparação, ou seja, efetuar sua liquidação, ainda que submetida a controle judicial, dentro dos limites da discricionaridade técnica da administração pública.
Todos esses aspectos e outros desse derivados encontram-se dispersos em notas técnicas, manifestações em atas, deliberações do CIF, porém inexiste documento que consolide o modelo conceitual do desastre, apresente os danos já identificados, os cogitados, os estudos necessários a identificá-los, os pressupostos de nexo causal e os critérios sobre os quais se dará a reparação.
Entendo que se trata de tarefa fundamental para fins de ofertar à sociedade, ao Poder Judiciário e ao Poder Público em geral a máxima transparência e facilidade de discussão.
Para tal, apresentarei minha posição em voto desta Presidência na reunião.
Respeitosamente
(assinado eletronicamente)
THIAGO ZUCCHETTI CARRION
Presidente Suplente do CIF
Documento assinado eletronicamente por THIAGO ZUCCHETTI CARRION, Presidente do Comitê Interfederativo Suplente, em 17/11/2022, às 18:28, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 6º, § 1º, do Decreto nº 8.539, de 8 de outubro de 2015. |
A autenticidade deste documento pode ser conferida no site https://sei.ibama.gov.br/autenticidade, informando o código verificador 14185909 e o código CRC AF767683. |
Referência: Processo nº 02001.031737/2022-11 | SEI nº 14185909 |